sexta-feira, 23 de setembro de 2011

E não importava o que ele fizesse, o que ele falasse, o que ele fosse. Ela nunca seria dele, não por uma necessidade inútil de desprezar e sair por cima, e sim porque ela nunca seria dele. Sabe aqueles homens que não fedem e nem cheiram? Sim, era exatamente isso que ele era: a maior expressão da indiferença.

Não que ele fosse feio ou burro. Não, o problema não era esse. Talvez em uma fotografia, calado, sem dizer merda, ele chamaria a sua atenção. Era fisicamente apreciável até. Tinha juventude, feições clássicas, pêlos em lugares estratégicos. Não, definitivamente, ele não era feio. Mas eles não se conheceram por meio de uma fotografia. Eles se conheceram por meio de convenções, naquela coisa sem cheirar e nem feder. "Oi, eu sou a fulana e estou aqui pelo mesmo motivo que você!". "Oi, eu sou o fulano. Vai chover?". O relacionamento entre os dois era perfeito assim, sem ultrapassar demais fronteiras. Ultrapassar fronteiras é até legal, mas quando é com alguém que lhe apetece. Ele não lhe apetecia.

Mas sabe-se lá por qual motivo maluco, ele começou a se interessar por ela, mas era da mesma forma como ele era interessado pela prostituta que pagava. Achava que por ter um pinto entre as pernas e alguma dose de poder, teria tudo o que quisesse. "Oi, eu tenho isso". "Oi eu tenho aquilo". "Oi, se você der para mim eu te dou tal coisa". Inútil. A indiferença dela era tanta que nem se dava o trabalho de se ofender com tais propostas.

Depois, no auge do desespero, o piá resolveu apelar para cantadas de pedreiro. "O que está acontecendo com os homens?", pensava ela. "Deve ser algo que colocam na água que abastece a cidade", concluiu.

Ela aprendeu o verdadeiro significado da palavra stalker. Ás vezes, dirigindo no trânsito, via um carro vermelho. E ele sempre estava na mesma via que ela, no mesmo local e na mesma hora. Ela não o via, ou quando via já era tarde demais. Um dia, incomodado com a rejeição, ele decidiu buzinar aleatoriamente no meio da rua. Ela não gostou de ter sido perturbada no meio da música.

Então foram aparecendo os recados deixados na secretária eletrônica, as investidas, as propostas indecentes e os fingimentos de amizade. E ela continuava indiferente, pois seguia aquela filosofia: - Se não só, que muito bem acompanhada!


sábado, 3 de setembro de 2011

Eduardo Galeano tem um conceito de história muito interessante que apresenta em Sangue Latino. Segundo ele: "E eu acredito que sim, o mundo deve estar feito de histórias, porque são as histórias que a gente conta, que a gente escuta, recria, multiplica. As histórias são as que permitem transformar o passado em presente e que, também, permitem transformar o distante em próximo. O que está distante em algo próximo, possível e visível". Dessa forma, Galeano dá um caráter móvel à história. Dessa forma a história passaria por diversas camadas da sociedade humana, com o potencial ainda de se transformar, recriar, permanecer ou se alterar. Tão móvel quanto o ser humano é. Esse conceito dá total ideia de movimento à história, e também à produção dela, visto que o historiador também é móvel e ativo, capaz de fazer diversos movimentos e tomar infinitas decisões.

Hannah Arendt remete a existência da história desde a existência de seres humanos (leia-se homo-sapiens). Esse debate tem, inclusive, provocado discussões na academia em relação ao termo pré-história, levando em consideração que, para alguns, o termo pré-história é preconceituoso, porque o "pré" pode gerar um significado como algo "menos que história".

Todos os seres humanos são produtores da história. Infelizes são os historiadores fossilizados que acreditam que esse mérito é apenas nosso. O ser humano com inúmeras possibilidades, tem a possibilidade de produção da história, e isso nós fazemos muito bem. Para produzir e dar significado à história não é preciso escolaridade, alfabetização ou níveis sociais e econômicos. Qualquer um pode fazer isso, sério, e todos fazem (really). Para produzir história, basta ter memória.

Qual é a sua história? De onde você veio? O que você aprendeu? O que você ouviu e o que você tem a dizer? Principalmente, o que você tem a dizer? A história não é apenas feita de silêncios (embora nós o aceitemos como possibilidade de discurso), mas também é feita de vozes, sussurros, gritos estridentes, pedidos de socorro, risos alegres e gemidos. E a história, aliada ao ser humano como princípio transformador, pode ajudá-lo a transformar a própria vida. E nisso, a história também se transforma, aceitando cada vez mais essa mobilidade e afastando-se de lugares-comuns.
 
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